Diz o ditado que “Quando nasce um filho ou uma filha, nasce uma mãe”. E o nascimento dessa mãe não está restrito a questões da maternidade. Assim que um bebê vem ao mundo, nasce uma mãe puérpera, uma mãe que fica em casa, uma mãe que trabalha, uma mãe que tem dúvidas. Nascem muitas mães. E é esse processo de transformação que a autora Luciane Rodrigues (@lurodriguesescritora) narra em seu novo livro “Maternidade com autoamor: práticas de autocuidado para mães exaustas”. Lançada pela editora Labrador (112 pág.), a obra conta com o prefácio assinado pela jornalista e escritora e mãe de dois, Ana Holanda.
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Embora a autora não classifique seu livro como “autobiográfico”, Luciane narra as passagens mais íntimas da sua vida: um aborto espontâneo, a morte da sua mãe, o nascimento dos dois filhos, o sentimento de abandono no puerpério, suas pesquisas sobre feminismo e maternidade e a importância da escrita durante todos esses acontecimentos. “Com o nascimento de uma criança, todos passam a cobrar felicidade, competência e perfeição da mulher-mãe. E ela pode cair no abismo da anulação se não perceber isso logo. A escrita terapêutica me ajudou a conhecer melhor aquela mulher que renasceu e que não queria abrir mão de si para agradar ao mundo. Eu compreendi que precisava de um olhar de autocuidado e de autoamor para não cair no abismo também”, conta.
Formada em jornalismo e com a carreira focada nas redações de grandes emissoras de televisão, a autora relata no livro o processo de esgotamento mental sofrido após o nascimento do primeiro filho: “Foi a soma da minha volta ao trabalho com o nascimento do primeiro dente dele. Virei a mãe zumbi. Não dormia. Usava toda a minha energia para trabalhar e amamentar. Dia e noite. Com exaustão. Culpa. E saudades da minha mãe, que já estava doente. Tudo isso junto e não deu outra: esgotamento físico e emocional. Burnout materno”.
Para cuidar da sua saúde, Luciane tirou um período sabático de dois anos. Foi aí que retomou a paixão pela escrita terapêutica e iniciou um blog para falar sobre os desafios que estava enfrentando. Ela também foi colunista no portal “Mães que escrevem”, compartilhando reflexões sobre autocuidado. Foi assim que surgiu o projeto “Mãenuscritos – textos de mãe”, onde compartilha textos sobre maternidade, alimentação, feminismo e autocuidado.
“Depois de cinco anos pesquisando e escrevendo sobre as questões sociais da maternidade no Brasil, decidi condensar as minhas ideias num livro. Após ter passado por uma fase turbulenta nos três primeiros anos da maternidade, comecei a estudar sobre feminismo e divisão de tarefas domésticas, autocuidado e saúde mental de mães, alimentação natural e espiritualidade feminina. A escrita terapêutica que passei a praticar me mostrou que eu não estava sozinha. E que as minhas questões não eram só minhas. Eram de outras mulheres-mães também”, revela.
Autocuidado como ação coletiva
No sétimo capítulo do livro, Luciane compartilha os quatro “As” que mudaram a sua vida: autocuidado, amor próprio, autoestima e autoconhecimento. Embora “autocuidado” tenha virado a palavra da moda, a autora reforça que autocuidado é um conceito feminista: um bem-estar que deveria estar ao alcance de todas. “O neoliberalismo se apropriou do conceito de autocuidado. As mulheres passaram a associá-lo a gastar dinheiro com bem-estar. Produtos para cabelos, rosto, unhas, corpo, salões de beleza, spas, tratamentos holísticos. Tudo isso custa. E gera capital. Não estou dizendo que não gosto dessas coisas todas. Eu adoro! Mas elas não estão ao alcance das mulheres de todas as classes sociais. E nem sempre são o tipo de autocuidado que a pessoa precisa naquele momento”, argumenta.
Ela explica que o autocuidado para a mãe solo da periferia, por exemplo, é ter tempo para ir a uma consulta médica e deixar o filho com alguém. O autocuidado para uma mulher que sofre de depressão é conseguir ir à terapia. Para quem trabalha o dia inteiro sentada é sair depois do expediente para uma caminhada. Ou seja, são ações ligadas à sobrevivência: “O autocuidado deve ser uma prática coletiva. Precisamos lutar para que todas as mulheres-mães possam ter o autocuidado que necessitam para viver melhor. E essa luta envolve debates, ativismo, questionamentos. A pausa e o descanso são necessários para restabelecer forças. Pude perceber isso na minha própria trajetória. Falar de autocuidado exige um compromisso ético e uma posição política. O bem-estar não é um privilégio, mas um direito”.
A mulher-mãe e o feminismo
Além de escritora e mãe do Rafael e da Clara, Luciane trabalhou como jornalista por duas décadas em emissoras de TV brasileiras, como Rede TV!,Band e Record TV. Depois da maternidade, assim como várias mulheres, sentiu dificuldades de conciliar um trabalho formal com a vida de mãe e passou a atuar como jornalista freelancer e escritora. E se descobriu feminista depois dos 40 anos: “Mães são excluídas dos espaços públicos e de poder simplesmente porque viram mães. Mulheres perdem a moeda de ‘valor’ da juventude quando envelhecem. Percebi e senti na pele as duas coisas de uma vez só”.
Luciane cita a importância de pensar a maternidade como algo político e desmistificar a instituição da mulher-mãe que existe no inconsciente coletivo. “A quarta onda feminista está aí para mostrar às novas famílias que o ‘cuidar’ tem que vir de todos. O cuidar dos filhos, das tarefas domésticas, das roupas. Porque o lar é da família, não? Os homens e as mulheres que nossos filhos se tornarão dependem dos pais que conseguimos ser hoje”, observa a autora.
Confira um trecho do livro:
“Em várias fases que me vi sem saída, sempre encontrei na escrita um refúgio. Seja nos diários que mantinha em casa ou nas poesias que escrevia na adolescência. Escrever sempre foi a minha ferramenta de autoconhecimento. O jeito de organizar o caos na minha cabeça.”