A primeira parte da reforma tributária foi finalmente aprovada em meados de dezembro e, apesar de todo mundo reconhecer a necessidade de mudanças no sistema de tributação brasileiro, grande parcela da população não sabe exatamente o que vinha sendo discutido nas altas esferas políticas. Muito menos de que maneira isso impacta no seu dia a dia. De forma resumida, a reforma tributária extinguiu o ICMS e o ISS prevendo a criação do IBS – Imposto Sobre Bens e Serviços. Extinguiu o PIS e a COFINS e criou a CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços. Extinguiu o IPI e criou o IS – Imposto Seletivo. Além dessas unificações, o texto ainda criou a Contribuição Sobre Produtos Primários e Semielaborados e a CIDE-ZFM.
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O que tudo isso significa na prática quem esmiúça é o advogado, Célio Dalcanalle. Sócio da MMD Advogados, ele trabalha na área de direito empresarial, societário e tributário. É graduado em Ciências Contábeis pela Faculdade de Ciências Administrativas de Joinville e em Direito pela Universidade Regional de Blumenau – FURB, com pós-graduação em Direito Processual Civil pela Universidade Positivo, pós-graduação em Direito Empresarial pela Universidade Regional de Blumenau – FURB e MBA em Direito Tributário pela FGV.
Revista Nossa: O que achou do novo texto da reforma tributária apresentado no Senado?
Célio Dalcanalle: A aprovação do Senado seguiu os mesmos termos da aprovação da Câmara, com a inclusão de algumas exceções à Lei Geral. Infelizmente, o texto aprovado não cumpriu as promessas que haviam sido feitas: não houve simplificação do sistema tributário, não houve redução dos tributos e permaneceram as exceções e classes beneficiadas, fazendo com que aumentem os impostos.
RN: Um estudo recente do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que as reduções de alíquotas para alguns setores não são efetivas como políticas públicas. Qual sua avaliação sobre isso?
Célio: A partir do momento que setores são beneficiados em uma reforma tributária, outros setores pagam a conta dessa redução. Quanto maior o número de setores beneficiados, maior terá que ser a alíquota efetiva do imposto. A diferenciação entre setores não é uma medida efetiva de política pública, uma vez que a tributação sobre o consumo atinge todos as classes sociais (e mais prejudicialmente as classes menos favorecidas).
RN: Quais as principais alterações trazidas pelo Senado em relação ao Imposto Seletivo?
Célio: O Imposto Seletivo irá substituir o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). A ideia inicial era a de que ele incidiria apenas sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Novamente, o problema são as expressões genéricas utilizadas. Ao tratar sobre ‘bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente’, o IS pode atingir uma gama gigante de atividades.
RN: O que diz o novo texto sobre os profissionais liberais?
Célio: Prestadores de serviços terão um aumento significativo na tributação – enquanto hoje pagam ISS pelo serviço prestado, que pode variar entre uma alíquota de 2 a 5%, passarão a pagar o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que poderá ter uma alíquota de 15%. Embora o texto do Senado tenha criado um regime favorecido de tributação para prestadores de serviços de profissão intelectual, a redução de 30% na alíquota do IBS ainda corresponderá a um aumento substancial na carga tributária se comparado ao regime atual. Os prestadores de serviços, que não são optantes do Regime Simples Nacional, serão o setor mais onerado com essa mudança.
RN: Quais os pontos positivos e negativos da Reforma Tributária?
Célio: Que o Brasil precisa de uma reforma tributária não é novidade para ninguém. O sistema é tão complexo que a apuração dos impostos exige um número imenso de horas trabalhadas. No entanto, a promessa de simplificação de um sistema já complexo, com a redução da quantidade de imposto e simplificação da cobrança não foi cumprida. Alteraram-se as nomenclaturas e incidências, mas permanecemos em um sistema com inúmeras exceções e complicadores.
RN: A quem beneficia a união de impostos?
Célio: Apenas a União, pois a unificação do ICMS e do ISS no IBS acabou por criar a necessidade de um onselho que será responsável pela gestão e arrecadação desses impostos, tirando o poder de decisão de cada Estado, principalmente os que possuem menos representação, como é o caso de Santa Catarina.
RN: De que maneira a reforma impacta a população de modo geral e os produtos de consumo?
Célio: A oneração da prestação de serviço acaba por onerar toda a cadeia produtiva e, ao final, esse custo é suportado pela população de modo geral. Não haverá redução da carga tributária, não ocorrendo uma diminuição dos custos. Como ainda não há divulgação das alíquotas, não é possível mensurar qual o aumento efetivo da tributação.
RN: A definição de uma alíquota deveria ser feita antes da aprovação do texto da reforma? Que impacto ela poderá trazer para o ambiente econômico?
Célio: Sim, a maior crítica a essa reforma tributária está exatamente no fato de que não foram apresentados dados econômico-financeiros desse projeto. Como não houve definição das alíquotas, o texto aprovado criou um novo regime tributário sem apresentar o impacto que ele terá nos setores da economia.
RN: O período de transição é muito longo na sua opinião? Quais os prós e contras disso?
Célio: O período de transição se inicia em 2026 e finaliza apenas em 2032, quando os impostos que conhecemos estarão extintos e o IBS, CBS e IS estarão em pleno vigor. É um período longo, pois durante esses seis anos as empresas terão que apurar os impostos devidos em dois regimes de tributação – o atual e o novo. Isso acarretará na necessidade de pagamento de ISS, ICMS, IBS, PIS, COFINS, IBS e IS durante o período, gerando ainda mais complexidade.
RN: A Reforma tributária elimina incentivos fiscais?
Célio: A reforma tributária acaba com os benefícios fiscais concedidos pelos Estados. No caso de SC, afeta diretamente setores que são beneficiados com o Tratamento Tributário Diferenciado há anos – como o têxtil, importação, etc. No entanto, a reforma mantém determinados regimes favorecidos de tributação com as seguintes reduções:
1. redução de 100% do IBS e CBS para dispositivos médicos, medicamentos, produtos agrícolas, frutas e ovos, automóveis para taxi, PCD e espectro autista;
2. redução de 60% do IBS e CBS nos serviços de educação, saúde, transporte coletivo de passageiros, produtos agropecuários, pesqueiros, extrativistas vegetais in natura, insumos agropecuários e alimentos destinados ao consumo humano, produções artísticas, culturais, jornalísticas, etc;
3. redução de 30% do IBS e CBS na prestação de serviços de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística;
RN: O novo modelo proposto pode ser considerado justo?
Célio: É cedo para determinar se o modelo será justo ou não – como falado, não tivemos acesso aos efeitos que essa mudança trará, pois sequer temos conhecimento da alíquota que será aplicada em cada tributo criado. Toda essa regulamentação ainda virá a ser criada por Lei Complementar. O que se sabe é que haverá um aumento na tributação do setor de serviços, que representa mais da metade do PIB brasileiro. Como esse equilíbrio será retomado – se é que será retomado – vai ser definido através de Lei Complementar que ainda não foi redigida.
RN: O governo afirma que essa reforma permitirá ao Brasil voltar a crescer e gerar empregos. No entanto, um ponto polêmico envolve a desoneração da folha de pagamentos, medida muito questionada por alguns setores da economia. Como você avalia esse ponto e quais as dificuldades para colocá-lo em prática?
Célio: Essa parte da reforma envolveu inicialmente apenas cinco tributos: ICMS, ISS, PIS, COFINS e IPI. A questão da folha de salários e imposto sobre a renda será tratada nas próximas fases. No entanto, a desoneração da folha de salários é medida essencial para impulsionar a contratação regular no Brasil. Hoje, a tributação incidente sobre a folha de salários é muito alta, prejudicando as empresas e os próprios colaboradores, mesmo que indiretamente. A maior dificuldade com relação a esse ponto é que o governo federal depende dessa fonte de renda. Ao desonerar a folha, haverá a necessidade de transferir essa receita para outro tributo, que manterá a arrecadação na mesma proporção.