Uma trajetória de lutas e conquistas

data 27 de março de 2024
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Crédito: Hermann Image

Marlene Felesbino abre toda sua história de vida e nos mostra porque serve como referência em mais um Dia Internacional da Mulher.

Marlene Felesbino é daquelas mulheres que sabem o que querem e aceitam desafios sem medo. Nascida no campo, na longínqua Palmeira das Missões, no Rio Grande do Sul, sempre sonhou grande e cresceu profissionalmente apostando em uma carreira que ainda dava seus primeiros passos: a nutrição. Uma construção e estruturação da qual ela se orgulha de ter participado, tendo feito história não só a nível local – foi a pioneira na área na cidade de Jaraguá do Sul –, como nacionalmente, escrevendo literalmente um capítulo na história ao assinar texto publicado no Inquérito Brasileiro de Nutrição Oncológica organizado pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA).
Este é, em suas palavras, inegavelmente o topo das realizações enquanto nutricionista, mas a história por trás disso revela muitos percalços. “A vida nunca facilitou para mim e a cada projeto muitas dificuldades eram postas no meu caminho. Se eu fosse fraca, certamente teria desistido na primeira oportunidade”, recorda. No entanto, crescendo em uma família de onze irmãos e descendente de mulheres fortes que enfrentaram grandes desafios, referindo-se à mãe e à avó, não se permitiu outra escolha que não ser resiliente.
Avessa ao clima frio de sua terra natal, diverte-se contando que o plano sempre foi se mudar para bem longe assim que concluísse o curso superior. E assim o fez. Aos 22 anos, passou em uma seleção para a cozinha industrial do Sesi e caiu de paraquedas em uma cidade estranha e tendo como responsabilidade produzir mais de cinco mil refeições por dia, além de coordenar um time composto por mais de uma centena de pessoas. “Foram tempos complicados e sentia muita dificuldade especialmente para lidar com os homens da equipe”, comenta, relembrando situações de puro machismo comuns até os dias atuais.
“Também passei um mês morando no quarto de um hotel sem comunicação, pois não havia celular. Isso foi há cerca de 30 anos, então havia poucos restaurantes, tudo era muito caro e recorríamos ao orelhão para manter contato com a família”, descreve. Curiosamente, foi nesse antigo meio de comunicação que Marlene viu sua vida mudar. Após três anos liderando a cozinha do Sesi, foi demitida e estava justamente indo comunicar a família o seu retorno para Palmeira das Missões, já que as coisas não iam bem por aqui. Foi quando a mão do destino colocou em seu caminho uma antiga colega de faculdade, também gaúcha, dizendo que havia uma vaga para nutricionista no Hospital São José e que a unidade de saúde estava prestes a receber uma multa por não contar com uma profissional da área.
Marlene Felesbino passou por uma entrevista e foi contratada na hora. O critério: era magra. Ela se diverte até hoje contando, mas reconhece que deu sorte, já que o hospital estava sem alternativas dada a pressão que vinha sofrendo. Lá, cuidava da alimentação dos doentes e promoveu uma revolução imensa nos processos para melhorar a qualidade do serviço prestado. Sua relação com a oncologia também começou ali e foi onde o gosto pelos estudos fez toda a diferença. “Tivemos um paciente grave para tratar. Alguém que foi para fora do país fazer uma cirurgia de alto risco e em breve retornaria para Jaraguá do Sul para dar continuidade ao tratamento. Foi complicado porque quando fazemos a faculdade estudamos fisiologia com todos os órgãos funcionando bem e isso de início me assustou um pouco”, conta.
O problema é que em meados dos anos 90 simplesmente não existia biografia traduzida para o português e ter acesso a esses artigos demandaria pelo menos três meses de espera. O jeito foi apelar para o método de tentativa e erro, apostando nas papinhas – semelhantes às oferecidas para bebês – como forma de reintrodução alimentar. Eram os primórdios da dietoterapia, método totalmente individualizado que leva em consideração a enfermidade de cada paciente. Assim surgiram as dietas líquidas, líquidopastosa, leve, livre, por sonda e as intravenosas. Marlene Felesbino seguia sempre as evoluções da medicina e estudava constantemente, mas também tinha sensibilidade para adotar uma abordagem mais humanizada quando se tratava de cuidados paliativos.
Certa vez, um paciente confidenciou o desejo de comer feijoada. No entanto, suas condições não permitiam que o fizesse devido à gravidade do caso. A nutricionista negou o pedido explicando os motivos e, no dia seguinte, infelizmente o homem faleceu. “A partir daí, tentava realizar esses desejos na medida do possível. Nem sempre a pessoa era capaz de deglutir, mas o fato de sentir o sabor já os fazia muito felizes e era gratificante para mim”, diz.

Reconhecimento a nível nacional
Paralelo ao trabalho no hospital, onde prestou serviço na oncologia até 2022, Marlene Felesbino fez parte do Conselho Regional de Nutricionistas de Santa Catarina e, posteriormente, do Conselho Federal de Nutricionistas, o que lhe abriu caminhos para realidades totalmente diferentes, como a insegurança alimentar na Amazônia e o uso exagerado de venenos na lavoura do Mato Grosso que, aplicados por via aérea, acabavam atingindo casas de moradores próximos e afetando a saúde da população. “Foram incontáveis viagens. Conheci muitos Estados e isso me abriu os olhos para outras realidades.
Também foi a partir desse engajamento em prol de toda a classe que surgiu o convite para participar da importante publicação do INCA, que ela considera um marco, a grande realização de sua carreira. Afinal, o Inquérito Brasileiro de Nutrição Oncológica tem o objetivo de identificar o perfil nutricional do paciente oncológico desde a internação para uma atuação mais precoce, que identifica o melhor momento e a mais apropriada forma de intervenção nutricional para o doente. Comparando com a realidade totalmente limitada de quando saiu da faculdade, poder oferecer essa qualidade de vida para quem vive momentos de dor é uma vitória sem precedentes.

Nome à disposição
Por tudo isso – sua história, o crescimento pessoal lado a lado com o profissional e pelas realidades que conheceu de perto –, hoje Marlene Felesbino deseja apostar em um novo desafio: colocar seu nome à disposição para concorrer como vereadora. Ela já esteve ligada a política anteriormente e até mesmo disputou uma cadeira na Casa de Leis de Jaraguá do Sul, mas agora que está dedicada 100% a isso e vê mais chances de alcançar seu objetivo. “Não desejo reconhecimento ou poder, mas sinto que posso contribuir”, declara.
Ela é a força feminina que todos afirmam faltar na política e tem na bagagem, além do conhecimento profissional na área da nutrição e saúde, um feeling muito apurado para as questões sociais, especialmente no que concerne às pessoas com deficiência. Mãe de Guilherme e Gustavo, dois gêmeos de 22 anos de idade, ela teve uma gravidez extremamente complicada e chegou a ser desenganada a respeito da sobrevivência dos fetos. A luta foi grande, mas ambos cresceram saudáveis exceto por algumas limitações, já que ambos possuem Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
“Eles sempre estudaram em escolas regulares e têm plena capacidade para trabalhar como qualquer outra pessoa, mas ainda existe muito preconceito e principalmente falta de conhecimento das pessoas para lidar com o diferente e é também contra isso que pretendo lutar”, frisa ela, já de olho em passos mais ousados para o futuro, revelando o sonho de se tornar deputada estadual.

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