Há 31 anos trabalhando na Polícia Militar de Santa Catarina, Arlene Sousa da Silva Villela pode se considerar parte da história da corporação no Estado. Natural de Chapecó, ela ingressou na PM somente três anos após a criação do batalhão feminino no município e não nega que de início sofreu com o estranhamento tanto por parte de policiais como da população durante as abordagens. No entanto, é taxativa ao afirmar que “legalidade não tem a ver com força” e graças a esse lema foi subindo de posto até se tornar a primeira mulher a assumir como coronel em Jaraguá do Sul. Feito que recentemente completou um ano.
Ela credita a ascensão ao trabalho humanizado que sempre buscou exercer dentro da corporação, fazendo o possível para aproximar a polícia da comunidade e promovendo uma escuta ativa com foco na resolução de problemas. A paixão por pessoas e o trabalho realizado na polícia, no entanto, nunca foram um sonho, mas uma construção. Antes de se arriscar combatendo o crime nas ruas de sua cidade natal, ela cursava faculdade de química e buscava uma forma de custear os gastos com os estudos. Foi nessa época que soube de vagas para policial militar e resolveu se inscrever, crente de que não passaria.
“Na época, o ingresso não era por concurso público, mas algo como um vestibular. Quando decidi me inscrever não pensei muito. Apenas enxerguei a possibilidade de ter a renda que precisava e apostei sem pensar duas vezes”, argumenta. Passados quatro anos de formação na academia de polícia, a química acabou ficando para trás. Formou-se em direito e pedagogia para trabalhar com a formação de novos policiais e coordenar o Proerd, mas foi quando veio transferida para Jaraguá do Sul que de fato se encontrou.
“A mudança foi motivada por uma oportunidade de trabalho que o meu marido recebeu aqui. Levou um tempo para conseguir a transferência e, chegando no município, fui logo designada para implantar os Conselhos de Segurança Comunitários (Consegs)”, recorda. Foi nessa oportunidade que Arlene passou a ter um contato mais direto com a população. Depois de 15 anos, abandonou o policiamento de rua, de combate, para se dedicar a algo mais voltado para a prevenção de crimes. Estar na cidade mais segura do Brasil ajuda, é claro, mas não torna as coisas necessariamente fáceis.
Por aqui, o grande problema são os altos índices de violência doméstica. Segundo ela, além de investigar e punir, é preciso avaliar os perfis de quem pratica os atos. Observar comportamentos comuns e encontrar maneiras de atuar contra isso antes que a ocorrência de fato seja registrada, como já acontece levando informações em forma de palestras, por exemplo. Mas é preciso mais. Atuando no comando da regional, a coronel tem como sonho cursar biblioteconomia no intuito de organizar as informações da PM de todo o Estado, transformando os dados estatísticos que os batalhões reúnem hoje em dados mais ricos. “Hoje os casos são somente números, mas é preciso contar essas histórias. O caminho é investir em uma análise qualitativa no intuito de chegar nas raízes dos problemas”, sugere.
Quando se trata de violência doméstica, por exemplo, normalmente as ocorrências estão atreladas ao uso excessivo de drogas, especialmente o álcool. “Quando há o abuso, os freios morais vão embora. Cada um sabe o efeito que isso causa e um dos caminhos é conscientizar as pessoas”, relata. O diálogo com outras esferas da sociedade, como o poder público, também é importante nesses casos. Conhecendo todos os serviços oferecidos é possível dar um melhor suporte para as vítimas.
“A base de tudo está no diálogo e na proximidade com as pessoas”, afirma. Dito isso, Arlene elogia o senso de comunidade que ainda existe em Jaraguá do Sul e a importância de contar com a ajuda da população para manter a ordem pública. Um exemplo é a Rede de Vizinhos. A ideia de cuidar da casa/vida dos outros a princípio pode soar estranha, mas a coronel ressalta que, longe de serem taxadas de fofoqueiras ou enxeridas, essas pessoas podem contribuir com a segurança caso o vizinho viaje ou haja barulho e movimentação suspeita em sua residência. Parece bobo, mas é uma atitude muito efetiva e que contribui para Jaraguá do Sul manter esse título de segura há tanto tempo.
Nos próximos cinco anos que lhe restam na corporação antes da aposentadoria, Arlene tem muitos planos e deve usar a estrutura da regional de Polícia Militar como um espaço para o atendimento psicológico para PMs e seus familiares, afinal não é fácil dedicar a vida a essa profissão, assim como oferecer um local de acolhimento para mulheres vítimas de violência e a promoção de palestras preventivas que garantam a segurança no município. “Temos planos de fazer uma parceria com estudantes de psicologia da Unisociesc no intuito de fornecer esse amparo e fortalecer os laços de proximidade com a comunidade” destaca.
Já como projeto pessoal para quando deixar a polícia, ela, que atualmente cursa letras, sonha transformar um livro em uma peça teatral para trabalhar com crianças, deixando ainda mais forte e clara a veia comunitária que a fez se destacar em um cenário tão masculino e onde, até então, somente uma mulher havia chegado ao cargo de maior prestígio da Polícia Militar de Santa Catarina.