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Invisíveis para boa parte da sociedade, a comunidade surda despertou a atenção de Fernando Castellari muito cedo. Ainda na oitava série, dividiu classe com uma colega que não ouvia e decidiu que aprenderia a Língua Brasileira de Sinais (LIBRA) a fim de poder se comunicar com ela. O que não imaginava era que a simples curiosidade e empatia pela garota – que até então tinha apenas a professora auxiliar com quem trocar ideias – se tornariam profissão e mesmo uma missão de vida.
Há anos no mercado, ele conta que profissionais não faltam, mas a acessibilidade propagada por aí nem sempre funciona no dia a dia e, ao longo da carreira, vivenciou e vivencia situações em que pessoas com deficiência (PCDs) não são plenamente respeitadas em suas necessidades. “Ser intérprete de LIBRAS exige estudo constante. Muitos possuem um conhecimento superficial sobre o assunto e é preciso entender que a língua e a forma de comunicação dos surdos, assim como a cultura deles, é muito diferente”, explica.
Um exemplo é a forma direta de fala. Não há analogias, ironias e as demais figuras de linguagem como vemos no português falado. Também não entendem brincadeiras e há ainda algumas diferenças regionais que podem causar situações embaraçosas. Fernando já atuou em escolas, empresas, eventos e na tradução simultânea de grandes shows e festivais, e conta que na grande maioria dos casos o suporte a essas pessoas é deficitário. Foi isso que o levou a criar, há quatro anos, a Incluir, empresa que administra em sociedade com Dionatan de Oliveira Arboski e que procura criar projetos e espaços que de fato promovam a inclusão de PCDs na comunidade.
Obrigatória por lei em eventos com público acima de 500 pessoas, a presença do intérprete de LIBRAS está assegurada, mas Fernando quer oferecer também espaços com audiodescrição, para que cegos possam se sentir parte das celebrações. Essa é a especialidade de Dionatan e casou perfeitamente com as habilidades comunicacionais de Fernando, que já possui projetos para colocar isso em prática.
Know-how ele tem. Já foi convidado para ser intérprete em festivais como o Lollapalooza, Primavera Sound, João Rock e Festival Tura. Na última edição da Schützenfest, participou dos desfiles e solenidades e há três anos é convidado pela banda Pedra no Rim para ser intérprete nos shows que ocorrem durante a festa.
Engajado, os convites para participar de grandes eventos surgiram graças à forma diferenciada com que sempre trabalhou. Durante os seis anos em que atuou em escolas com crianças e adolescentes, buscou passar parte do seu conhecimento para turmas inteiras e produziu pequenos vídeos mostrando os resultados. Um deles viralizou e acabou despertando o interesse de grandes produtores. O trabalho também acabou rendendo momentos curiosos no exercício da profissão, como quando os alunos tentaram usar LIBRAS na hora da prova para passar cola. “A criatividade deles quase me rendeu uma boa dor de cabeça”, diverte-se.
Mas se alguns momentos arrancam sorrisos, outros preocupam. “Simplesmente contratar um PCD não garante a acessibilidade. Muitas vezes as pessoas acabam não se sentindo incluídas em reuniões e festas, por exemplo, já que a presença do intérprete existe somente em ocasiões esporádicas e bem específicas, como entrevistas e testes de emprego e integrações”, lamenta. Tudo isso, assim como algumas falhas sociais e familiares, faz com que a comunidade surda, que hoje ultrapassa as três mil pessoas em Jaraguá do Sul e região, muitas vezes não chegue pronta para enfrentar a vida adulta, mas cuja realidade Fernando pretende mudar com sua empresa e elaborando editais para ampliar o acesso ao seu trabalho.