Após 19 anos de uma rotina exaustiva em ambiente hospitalar, uma família de Jaraguá do Sul está prestes a conseguir na justiça o direito de seguir com o tratamento da filha em casa e oferecer a ela um ambiente mais seguro e com o aconchego dos parentes. Diagnosticada com Atrofia Muscular Espinhal (AME) com poucos meses de vida, Thalita Valter de Carvalho vive em um quarto especialmente preparado para ela no Hospital Jaraguá. Mas apesar de toda a liberdade dada pela unidade de saúde e do ótimo atendimento que vem recebendo ao longo de toda sua vida, a mãe, Jeane Marcielli Correa sonha oferecer alguns confortos que o ambiente frio do hospital não é capaz de proporcionar.
Para isso, precisa adaptar completamente sua residência, transformando-a em uma Unidade de Tratamento Intensiva (UTI), além de outras modificações, como o acesso, recriação e adaptação do quarto e construção de uma sala de banho, que envolve hidráulica totalmente diferenciada devido à condição de Thalita. “Tudo isso deve custar em torno de R$ 300 mil e estamos fazendo uma vaquinha on-line para angariar recursos”, conta a mãe, que estipulou como meta o prazo de seis meses para ter a filha acomodada em casa.
A AME afeta um em cada 10 mil indivíduos e se caracteriza por ser uma doença genética rara, degenerativa e progressiva que afeta a capacidade do corpo de produzir uma proteína vital para os neurônios motores. Por esse motivo, Thalita não possui movimentos e respira por ventilação mecânica, mas desenvolveu os sentidos e a comunicação. Jeane conta que entende o que a filha está querendo/pensando com apenas um olhar, uma piscada. Também dá alimentos diferentes na boca da adolescente para que ela prove sabores diferentes, ainda que não tenha a capacidade de deglutir. O cuidado é integral e Jeane largou tudo para se dedicar à filha.
Passar dias e noites no ambiente hospitalar é extenuante, mas ela diz que desde o nascimento o sexto sentido maternal dizia que havia algo errado com a bebê. “Senti algo diferente nos membros inferiores dela. Durante a gravidez, tudo transcorreu da melhor forma possível, mas observava que ela ficava sempre com as pernas estendidas e os lábios roxos após a mamada”, lembra. A primeira internação veio aos três meses de idade por conta de uma pneumonia dupla e foi quando um pediatra suspeitou que poderia ser AME. Dali para frente foram 27 dias internada até a confirmação. “Não foi nada fácil para nós. A doença não tem cura e a expectativa média de vida era de seis meses de idade”, emociona-se.
Foi exatamente aos seis meses de vida que veio a segunda internação e, com ela, um sentimento de culpa. Como a doença é genética e os dois genitores precisam ser portadores de uma condição específica, muitos sentimentos tomaram conta dos seus pensamentos e do marido. Estatísticas mostram que quando esse encontro acontece a chance de o bebê desenvolver a doença é de 70%, o que fez com que o casal não tentasse ter mais filhos por conta do risco envolvido.
Hoje Jeane e o marido se ausentam pouco da cidade. Fizeram poucas viagens sozinhos e há anos não vão à praia para estar perto da menina diariamente. Com a mudança para casa terão não só mais tempo como casal, mas poderão proporcionar experiências que Thalita não pode ter no Hospital Jaraguá. Uma delas é contar com um ambiente sensorial repleto de plantas e talvez um pet, assim como conhecer um banho de chuveiro. Coisas simples, mas que farão muita diferença no que se refere à qualidade de vida. Para o futuro, também sonham com uma cadeira sob medida adaptada para passeios, ocasiões em que pretendem levar a garota para aproveitar os parques da cidade.
Mas o melhor de tudo é evitar novas perdas. Desde 2011, o Hospital Jaraguá criou um quarto especial para moradores e Thalita, ao longo de todo esse período, dividiu o espaço com várias crianças e adolescentes – o espaço é para duas pessoas. Infelizmente, vivenciou muitas mortes que a deixaram abalada. Sem falar nas bactérias e infecções a que todos os pacientes ficam expostos no ambiente hospitalar. “Queremos mudar essa realidade o quanto antes”, suplica a mãe.
Apesar de suas limitações, a menina é extremamente sociável e inteligente. Gosta de ouvir músicas, mas não de ver TV. Adora que contem histórias para ela, está aprendendo pouco a pouco as letras do alfabeto, conheceu o mundo através da internet e é super vaidosa. Ama maquiagens e tirar fotografias.