E se acontecesse aqui?

data 14 de junho de 2024

Tragédia provocada pelas chuvas no Rio Grande do Sul acende um importante debate: Jaraguá estaria preparada para enfrentar situação semelhante? Como a prevenção vem sendo trabalhada e o que a Promotoria de Justiça tem a dizer sobre o tema você confere aqui.

Até o fechamento desta edição, no dia quatro de junho, as chuvas catastróficas no Rio Grande do Sul já haviam causado 172 mortes e deixado um rastro de destruição que afetou mais de duas milhões de pessoas. A situação de caos parece não ter fim a cada subida no nível do Guaíba e tal tragédia climática suscita debates e gera preocupação por todo o país.
De 2018 até agora, a prefeitura de Jaraguá do Sul afirma ter feito cerca de 115 intervenções como contenção de margens de rios e encostas, desassoreamento, substituição de tubos por galerias, limpeza de pontes, valas e enrocamentos, entre outras ações significativas para evitar problemas maiores. Os investimentos superam os R$ 15 milhões.
Além do que já foi feito, novas medidas estão sendo planejadas. Segundo o diretor de captação de recursos e escritório de projetos, Antônio da Luz, recentemente o Governo Federal anunciou a liberação de recursos por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC) para obras de prevenção de desastres naturais em Santa Catarina. Entre as propostas selecionadas, uma é de Jaraguá do Sul: mais de R$ 1,7 milhão que serão usados para contenção de encosta no bairro Rau.
“Além deste projeto, outras propostas também já foram protocoladas e estão sendo analisadas pelo Ministério das Cidades, em Brasília, para continuidade das ações de prevenção no município”, explica o diretor.
Os projetos que aguardam liberação pelo Novo PAC são para obras de enrocamento no Rio Jaraguá, implantação de galerias no bairro Santo Antônio e enrocamento e aumento de vazão no Rio da Luz. Juntas, as propostas ultrapassam os R$ 14 milhões em investimentos.
“Seguimos um planejamento amplo de obras de prevenção em Jaraguá do Sul e os resultados dos investimentos feitos até aqui se mostraram eficazes. No passado sofremos com as consequências das enchentes e deslizamentos. Já vimos centenas de pessoas desabrigadas, áreas inteiras destruídas. Hoje o cenário já é diferente e, mesmo com grandes acumulados de chuva, os transtornos são pontuais e rapidamente resolvidos”, comenta o prefeito, Jair Franzner.
Um laudo meteorológico emitido ano passado pela Defesa Civil Estadual, por meio da Coordenadoria de Monitoramento e Alerta, aponta os volumes de chuvas registrados nas principais enchentes ocorridas em Jaraguá do Sul nos anos de 2008, 2011 e 2014, bem como o acumulado de 2022. Para Hideraldo Colle, chefe da Diretoria de Proteção e Defesa Civil de Jaraguá do Sul, o documento mostra a importância dos investimentos em obras de prevenção. “As mais de 100 obras realizadas foram significativas para evitar problemas maiores”, analisou.

O promotor de justiça, Alexandre Schmitt dos Santos falou sobre o assunto

O que diz a Promotoria de Justiça sobre o tema
A Revista Nossa também conversou com o promotor da 1ª Promotoria de Justiça, Alexandre Schmitt dos Santos – que atua na área de meio-ambiente na microrregião – e ele minimiza as chances de uma tragédia parecida com a dos vizinhos gaúchos por conta da formação hidrogeológica local. Confira.

Revista Nossa: É feito algum tipo de fiscalização ou cobrança para que obras preventivas ocorram periodicamente? Qual o papel do Ministério Público nessas situações?
Alexandre Schmitt dos Santos: A 1ª Promotoria de Justiça tem como atribuição a defesa do meio-ambiente e desde 2000 é o órgão responsável por receber todos os processos de loteamento e parcelamento de solo para fins urbanos. De lá para cá, em Jaraguá do Sul e Corupá não foi aprovado nenhum projeto que não respeitasse as Áreas de Preservação Permanentes (APPs). A atuação é bastante importante, pois quando não se permite a expansão do tecido urbano com novos loteamentos, quando se impede que a cidade cresça usando essas áreas de proteção, isso já é um grande passo para evitar que a situação continue a piorar.

RN: Como você avalia o cenário atual de Jaraguá do Sul? Na sua visão, o poder público vem trilhando o caminho certo no sentido de evitar/minimizar o efeito das enxurradas.
Alexandre: Antes de se falar em alguma tentativa de melhorar a situação, tem que parar de piorar, que é o que vem acontecendo ao longo das últimas décadas. Por isso eu tenho batido nessa tecla. Primeira coisa a fazer é compreender que APPs em área urbana são muito mais sobre Defesa Civil do que sobre proteção da natureza. As principais APPs da cidade são margens de cursos d’ água, encostas com declividade superior a 45 graus e topos de morro, que são muito mais sensíveis para a Defesa Civil por serem áreas sujeitas à inundação. Áreas que, se ocupadas, acabam prejudicando e agravando as inundações em outros lugares, fazendo com que a água vá para regiões onde nunca foram antes. Da mesma forma, encostas de morros estão sujeitas a deslizamentos e enxurradas. Esses inclusive foram dois fatores que ocasionaram a enxurrada registrada em Jaraguá do Sul no início do ano. Impedir que a cidade, ao se expandir, ocupe essa área é, na minha visão, o que vem acontecendo desde o ano 2000 e é um grande trabalho promovido pela Promotoria de Justiça.

RN: Dentro do pacote de investimentos colocado em prática pela prefeitura constam obras de contenção de margens de rios e encostas, desassoreamento, substituição de tubos por galerias, limpeza de pontes, valas e enrocamentos, entre outras ações. O que mais poderia ser feito no sentido de proteger a população de eventos climáticos cada vez mais severos?
Alexandre: Em 2008, a promotoria descobriu que o município estava autorizando grandes volumes de aterros em grandes áreas na Ilha da Figueira. E como se sabe, a margem direita do Rio Itapocu é uma planície de inundação. Assim, toda vez que o rio enche, ocupa aquela área e, evidentemente, permitir o aterro de toda aquela região impediria toda a água de ocupar o local. Ela, no entanto, não vai desaparecer, mas sim acabar atingindo outros locais. Então, é muito fácil imaginar que se aterrar toda a área inundável, provavelmente a vazão da água ali vai diminuir bastante e acabar invadindo áreas centrais da cidade com consequências trágicas. Preocupado com isso na época, montei um grupo de trabalho com servidores públicos e profissionais da iniciativa privada para discutir o mapeamento de áreas alagáveis, formas de proteção especialmente no que diz respeito aos aterros e edificações,  e também surgiu a ideia de criar naquela área da Figueira. Um parque linear para proteger a área, um parque destinado a receber as águas de inundações. Essa foi a semente da ideia.

RN: O Parque Linear Via Verde já foi destaque nacionalmente pelo conceito de área alagável. Você considera esta uma boa alternativa que poderia ser adotada em outros locais do Estado/país?
Alexandre: O projeto inicial previa um grande aterro para que a via ficasse livre das inundações, mas, em conversa com a administração pública da época, convenci a abandonar essa ideia, pois isso formaria um grande dique para as áreas de inundação e acabaria trazendo consequências trágicas, com áreas que nunca tiveram inundações sendo alagadas. Assim, o projeto inicial foi alterado para o nível natural do terreno para que pudesse cobrir a via e, depois, fosse limpa e reutilizada. Ela foi construída justamente para suportar essas cheias. Paralelo a isso, sugeri a implantação do parque Via Verde para que as pessoas tivessem ali uma opção de lazer. Só a Promotoria do Meio-ambiente destinou mais de R$ 2,5 milhões em verbas de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para ajudar o município nas desapropriações e implantação do parque. Desapropriações essas que serviram para tirar quantidade considerável de terra para receber mais águas. Da mesma forma, o Parque da Inovação também foi criado com esse objetivo, destinado a receber água de cheias para mitigar o impacto de eventuais eventos climáticos naquela região.

RN: Que outras alternativas considera viáveis em Jaraguá do Sul para contribuir com essa questão?
Alexandre: Os próximos passos são a identificação de outras áreas que tenham essas mesmas características (Via Verde e Parque da Inovação) de serem leitos secundários de cursos d’ água e que possam ser desapropriadas e protegidas como áreas estratégicas para o município. Trabalho muito importante que vem sendo realizado pelo MP e o município.

RN: Quanto às questões ambientais como um todo, ainda é possível reverter os efeitos do aquecimento global e impedir que situações como a do Rio Grande do Sul acometam outras regiões?
Alexandre: A reversão dos efeitos climáticos devido ao aquecimento global é um trabalho a longo prazo e que exige um esforço mundial, mas o esforço local também é fundamental para esse objetivo. Com relação ao que aconteceu no Rio Grande do Sul, foi uma coisa absolutamente anormal, especialmente se for analisar a conformação hidrogeológica. Toda a água que caiu em mais da metade do Estado pertence à mesma bacia hidrográfica do Guaíba, sendo toda deslocada para lá. No entanto, lá também pode se observar cidades inteiras construídas dentro de áreas de leito secundário – leitos de inundação. Por isso a tragédia alcançou tamanha proporção. A nossa situação em Jaraguá do Sul é muito diferente porque a nossa bacia do Rio Itapocu é muito menor do que a bacia hidrográfica que foi atingida lá. Sem contar o fato de que no Estado gaúcho são todas interligadas. Aqui, se for avaliar a conformação hidro geológica da região, percebe-se que a nossa bacia começa no final da serra de Pomerode, nos bairros Rio da Luz e Barra do Rio Cerro. Em contrapartida, toda água que cai pelo lado de Pomerode já pertence a outra bacia hidrográfica. Então, só corre para o Rio Itapocu o que vem desses dois bairros supracitados. É lógico que catástrofes podem acontecer, mas é uma situação diferente em termos de formação hidrogeológica  da registrada no Rio Grande do Sul.

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