Sempre que converso com alguém e menciono que sou fonoaudióloga e também trabalho com crianças, a reação costuma ser a mesma: “você é fonoaudióloga? Ah, tá. Então, você só brinca né”!!
Sim, eu brinco – e brinco muito! Mas será que o brincar é “só” uma brincadeira? Se tem algo que a fonoaudiologia ensina é que o brincar é uma ferramenta poderosa no desenvolvimento da linguagem, da comunicação e até da socialização. E é sobre isso que quero conversar com você hoje!
Por que brincar é tão importante para a criança?
O brincar é muito mais do que um passatempo ou uma forma de distração para a criança. Na verdade, é uma atividade essencial para seu desenvolvimento físico, emocional, social e cognitivo.
Brincar ajuda a criança a desenvolver a linguagem e a comunicação; melhorar a coordenação motora; estimular a criatividade e a imaginação; aprender regras e socializar; e expressar sentimentos e emoções.
Quando a criança brinca, ela está experimentando o mundo de uma forma ativa. Como dizia Lev Vygotsky, um dos grandes teóricos do desenvolvimento infantil, a brincadeira é um espaço onde a criança pode criar significados e aprender de maneira natural.
Na fonoaudiologia, o brincar não é apenas um complemento da terapia, mas sim o próprio caminho para estimular o desenvolvimento da linguagem e da comunicação.
O que é a ludoterapia?
A ludoterapia é uma abordagem terapêutica baseada no brincar. A palavra vem do latim “ludus”, que significa jogo ou brincadeira. Essa técnica é usada principalmente na psicologia e na fonoaudiologia para ajudar as crianças a se expressarem e superarem desafios.
Muitas vezes, a criança não consegue expressar seus sentimentos e dificuldades com palavras, mas consegue demonstrá-los através do brincar. Por isso, o brinquedo se torna um meio de comunicação entre o terapeuta e o paciente.
Durante a terapia fonoaudiológica, utilizamos brinquedos e jogos para avaliar, estimular e tratar dificuldades de fala, linguagem, comunicação e interação social.
Brincar ensina a criança a falar?
Sim! Muitas crianças precisam ser ensinadas a brincar. Parece estranho dizer isso, mas nem toda criança sabe brincar espontaneamente. Algumas, principalmente aquelas com transtornos do neurodesenvolvimento, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA), têm dificuldades para entender o significado do brincar e precisam de um direcionamento.
Brincar e linguagem estão diretamente ligados. O desenvolvimento do brincar acompanha o desenvolvimento da linguagem. Veja essa relação:
Brincadeira sensório-motora (0 a 2 anos): nessa fase, a criança explora objetos com os sentidos e aprende a fazer movimentos repetitivos. Isso prepara o cérebro para aprender palavras.
Brincadeira simbólica (2 a 4 anos): aqui, a criança começa a fingir que um objeto é outra coisa (exemplo: usar uma caixa como um carro). Essa fase é essencial para o desenvolvimento da linguagem, pois exige a compreensão de símbolos e palavras.
Brincadeira de regras e social (a partir dos 4 anos): a criança aprende a seguir regras e interagir com outras crianças. Isso fortalece a comunicação, a negociação e o uso adequado da linguagem.
Se uma criança não brinca, pode ser um sinal de alerta para dificuldades na comunicação. Por isso, na terapia fonoaudiológica usamos o brincar para estimular a linguagem e a interação.
Como usar o brincar na fonoaudiologia?
Cada criança tem necessidades diferentes e o tipo de brincadeira utilizada na terapia depende do objetivo do tratamento. Aqui estão alguns exemplos:
1. Estímulo para crianças não verbais
Crianças que ainda não falam podem ser estimuladas a se comunicar por meio do brincar. O uso de brinquedos que geram expectativa, como bolhas de sabão e carrinhos ou bonecos que se movimentam, ajuda a criar oportunidades para a criança demonstrar intenção comunicativa. Exemplo: se a criança quer mais bolhas, pode ser incentivada a apontar, fazer contato visual ou emitir um som para indicar desejo.
2. Ampliação do vocabulário
Brinquedos temáticos, como fazendinhas, bonecos ou conjuntos de cozinha ajudam a ensinar novas palavras de forma natural. Em vez de apenas mostrar imagens em um livro, a criança aprende brincando e manipulando os objetos. Exemplo: em uma brincadeira de fazenda, o fonoaudiólogo pode nomear os animais, ensinar os sons que eles fazem e incentivar a criança a repetir palavras.
3. Estímulo da interação social
Jogos de tabuleiro e brincadeiras em grupo ensinam turnos de fala, contato visual e habilidades de socialização. Crianças com TEA, por exemplo, podem ter dificuldade em iniciar ou manter uma interação social e o brincar guiado pode ajudá-las a desenvolver essas habilidades. Exemplo: brincar de esconde-esconde ensina a criança a esperar sua vez, chamar o outro e responder quando é encontrada.
4. Desenvolvimento da motricidade oral
Brinquedos que envolvem sopro, como apitos, bolinhas de algodão e velas ajudam a fortalecer os músculos da boca, essenciais para a articulação dos sons da fala. Exemplo: soprar bolinhas de papel com um canudo pode ser divertido e, ao mesmo tempo, fortalecer os músculos responsáveis pela fala.
O papel dos pais e cuidadores no brincar
O brincar não deve acontecer apenas no consultório fonoaudiológico. Ele precisa ser incentivado no dia a dia da criança. Pais e cuidadores têm um papel fundamental nesse processo e aqui estão algumas dicas para tornar o brincar mais produtivo em casa:
Participe da brincadeira: a presença do adulto é essencial para que a criança aprenda novas palavras e formas de interação.
Use brinquedos variados: jogos, bonecos, livros, massinhas, instrumentos musicais… tudo pode ser uma ferramenta para estimular a linguagem.
Aproveite momentos do dia a dia: cozinhar, tomar banho e ir ao mercado podem virar momentos de aprendizado e interação lúdica.
Respeite o ritmo da criança: cada criança tem seu tempo. O importante é tornar a experiência prazerosa.
Ludoterapia não é só para crianças!
Embora seja mais comum na infância, a ludoterapia também pode ser utilizada com adolescentes, adultos e idosos, com adaptações para cada faixa etária. Jogos, dinâmicas e atividades lúdicas podem auxiliar na reabilitação da fala e da comunicação em diversas condições, como: reabilitação pós-AVC, Doença de Parkinson, Afasia e Disfagia. Brincar e jogar podem ajudar na motivação e tornar o processo terapêutico mais leve e eficaz.
Conclusão
Então, eu brinco? Sim, e com muito propósito! O brincar não é apenas um momento de lazer, mas uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento da linguagem e da comunicação. Seja na terapia ou em casa, incentivar a brincadeira é investir no desenvolvimento da criança. Se você é pai, mãe ou profissional da saúde, lembre-se: brincar é coisa séria!
E aí, gostaram da nossa conversa?
Beijinhos e até a próxima!