Uma vida dedicada aos sons e melodias
O apartamento onde Fabrícia Piva mora em Joinville é um verdadeiro refúgio para os amantes de música. É lá que, em meio a instrumentos musicais, equipamentos de gravação e uma infinidade de livros e materiais relacionados ao tema, ela encontra inspiração para seus trabalhos e aproveita para reunir grupos de amigos para tocar. O lugar foi pensado especialmente para tornar tudo isso possível, com direito a sistema de som espalhado por cada canto do imóvel e preocupação com a acústica para não atrapalhar o sossego dos vizinhos.
É assim desde a infância: seu dia começa e termina com música. “Aos seis anos de idade comecei a fazer aulas de piano. Eu levava muito a sério e mais tarde me formei também em violino, violão, fiz aulas de teatro e artes plásticas”, enumera. Segundo ela, tudo incentivado pela mãe, que tinha sido bailarina e achava que o contato com o universo artístico exercia papel fundamental na formação dos filhos. Ela conta que inicialmente o irmão trilhou o mesmo caminho e chegou a se formar em violão clássico, mas posteriormente preferiu mudar de rumo e se tornar professor de filosofia.
A maestrina, Fabricia não! De formação erudita, possui graduação em licenciatura em música pela Faculdade de Música Belas Artes (Curitiba) e mestrado em educação na Universidade do Vale do Itajaí. Ao longo de todos os anos dedicados à carreira estudou na Romênia, onde regeu a orquestra de Brasóvia; morou um ano em Londres e saiu em turnê pela Alemanha durante três meses com o grupo Aroeira. Contudo, voltou a fixar residência em Joinville, apesar de todas as dificuldades impostas à classe não só aqui, mas a nível estadual e Brasil.

“Nós já tivemos a Orquestra Cidade de Joinville, a primeira totalmente profissional, com músicos com carteira assinada. O projeto durou de 2012 a 2015, mas foi encerrado por falta de vontade política” revela. Fabricia reconhece que manter um projeto como esse custa caro aos cofres do município, mas contribui com a formação musical e a manutenção da cultura e tradições da cidade. Hoje os músicos dependem basicamente das leis de incentivo à cultura, tais como a Lei Aldir Blanc e o Simdec – esta última no âmbito municipal. “Há uma grande procura cada vez que esses incentivos são abertos e muitos artistas estão pensando a arte, com projetos muito bons”, reconhece, ao mesmo tempo em que lamenta o fato de a região ainda não contar com uma faculdade de música e mais: um campus de humanas, que incite o pensamento filosófico.
“A música carece de mais investimento e formação profissional”.
Resta trabalhar o talento com as ferramentas possíveis e muitos profissionais ligados à cultura acabam optando por dar aulas para sobreviver. Fabricia é uma delas. Funcionária pública, leciona na Casa da Cultura para pessoas de todas as idades e se orgulha ao contar que 30 dos seus alunos cursaram faculdade de música e foram dedicar suas vidas à arte.

Há também os que tocam em eventos, como aniversários e casamentos, que, além de tudo, foram afetados pela pandemia. Então, o jeito foi fazer adaptações. Fabricia conta que criou muito nesse período, dedicou tempo à elaboração de um grande projeto e investiu nas lives, que durante muitos meses foram a única forma de entretenimento encontrada para driblar o isolamento social. As apresentações, realizadas diretamente do seu apartamento e com a presença de diversos músicos convidados, atraíram mais de 30 mil pessoas e a maestrina pretende seguir com elas. “Para mim não foi difícil essa transição para o mundo digital. Há mais de 20 anos produzo em computadores e tenho certa intimidade com a tecnologia, mas investi em equipamentos de luz e, quando surgia algo de maior complexidade técnica, optava por contratar alguém".
Projetos paralelos
Além das aulas e do estudo diário – Fabricia Piva não passa um dia sequer sem tocar violino – ela mantém dois grupos paralelos. Um deles voltado ao jazz e outro é o Chora Joinville, que valoriza a música popular brasileira. Foi uma forma de se manterem ativos ensaiando e discutindo o assunto que move suas vidas. Agora, com a retomada dos eventos, começam a surgir convites para apresentações. Toda quinta, no Porão da Liga, tem a “Noite da Música Popular Brasileira”, onde os sete integrantes do grupo de choro se reúnem para tocar.
Ela também atua na Orquestra Jovem da SCAR e se prepara para a montagem da Ópera “Yara”. Esse trabalho ela considera um verdadeiro presente por ser a única ópera catarinense alemã. A obra é de autoria de Josef Prantl a partir do libreto de Otto Adolph Nohel, de Jaraguá do Sul. “A história dessa obra foi escrita às margens do Rio Itapocu e ficou durante muito tempo na Áustria. Regina Colin, uma joinvilense, a conseguiu durante uma viagem e me deu a oportunidade de trabalhar na sua remontagem”, conta, sem esconder a satisfação.
O projeto é grande e deve envolver cerca de 80 pessoas, com 34 músicos e quatro cantores. A ideia é manter viva a cultura alemã e clássica oferecendo essa ópera romântica à população em duas apresentações. “A verdade é que precisamos, dadas às condições, ampliar nossos horizontes musicais para além do clássico, mas trabalhos como esse me dão um prazer maior por todo o seu valor histórico e artístico”, argumenta. Ainda não há datas para que a iniciativa saia do papel, mas o projeto será executado pela Orquestra de Espetáculos de Joinville.